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sexta-feira, 1 de julho de 2011

Voto de marceneiro para o filho do marceneiro

O desembargador Palma Bisson é filho de marceneiro. Em seu gabinete, na 36ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, ele deixa à mostra uma plaina, ferramenta utilizada para nivelar peças de madeira. Em acórdão de 19 de janeiro de 2006, publicado nesta semana pelo boletim da Associação dos Advogados de São Paulo, as ligações profissionais do desembargador se revelam. Nele, o desembargador concede o benefício da Justiça gratuita a um também filho de marceneiro.
O voto de Bisson mudou decisão de juiz de Marília (SP) que havia negado a gratuidade da Justiça para o filho do marceneiro. Por isso, o rapaz entrou com o recurso em Agravo de Instrumento. Ele apresentou uma ação de indenização contra o motociclista que atropelou o pai, pedindo pensão de um salário mínimo mais danos morais decorrentes da morte. O desembargador comenta: “Foi atropelado [o pai] na volta a pé do trabalho, o que, nesses dias em que qualquer um é motorizado,já é sinal de pobreza bastante.
“Que sorte a sua menino”, escreveu Bisson em seu voto, “depois do azar de perder o pai e ter sido vitimado por um filho de coração duro — ou sem ele —, com o indeferimento da gratuidade que você perseguia. Um dedo de sorte apenas, é verdade, mas de sorte rara, que a loteria do distribuidor, perversa por natureza, não costuma proporcionar”.
A gratuidade das custas foi pedida com base na Lei 1.060, de 1950. Como justificativa para negar o benefício, o juiz disse que o rapaz não teria apresentado prova de pobreza e que, no processo, ele era representado por uma dvogado particular. “A circunstância de estar a parte pobre contando com defensor particular, longe de constituir um sinal de riqueza capaz de abalar os de evidente pobreza, antes revela um gesto de pureza do causídico. Onde está escrito que pobre que se preza deve procurar somente os advogados dos pobres para defendê-lo”, indaga Bisson, que diz votar “como marceneiro”.
Para o desembargador, a pensão pedida pelo autor da ação atesta sua pobreza. “Claro como a luz, igualmente, é o fato de que você, menino, no pedir pensão de apenas um salário mínimo, pede não mais que para comer”, observa. Bisson fala também sobre seu próprio passado: “Tantas, deveras, foram as causas pobres que patrocinei quando advogava, em troca quase sempre de nada, ou, em certa feita, como me lembro com a boca cheia d’água, de um prato de alvas balas de coco, verba honorária em riqueza jamais superada pelo lúdico e inesquecível prazer que me proporcionou”.

[fonte: Conjuntura Jurídica, 24 jun. 2011, Marília Scriboni]