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sábado, 20 de junho de 2009

O FGTS, DE QUEM É?

Os advogados Mauro Antônio Rocha e Fabiano Jantalia discutem a destinação dos recursos do trabalhador em matéria publicada na ADVOCEF EM REVISTA, edição de junho/2009

Tramitam no Congresso cerca de 500 projetos de lei com o objetivo de modificar as hipóteses de saque do FGTS. De um modo geral, de acordo com especialistas, a grande maioria é incompatível com os princípios que levaram à criação do Fundo, através da Lei 5.107, de 1966, distorcendo sua real finalidade, que é garantir o pagamento das indenizações por tempo de serviço.
É o que pensa, por exemplo, o gerente nacional da Gerência Nacional de Passivo do FGTS (GEPAS), José Maria Leão. A idéia básica, destaca o gestor da CAIXA, foi construir uma poupança para ser usada em momentos especiais pelo trabalhador: na dispensa sem justa causa, quando ele é pego de surpresa, ficando sem condições de se colocar no mercado de forma imediata; na aposentadoria, usando os recursos acumulados para se recolocar no novo cenário; em caso de falecimento, para os familiares; e fundamentalmente como fonte de recursos para a sonhada casa própria.
Para José Maria, todas as situações que vieram depois, com exceção dos casos de doença - "mesmo aí caberia ao Estado a responsabilidade de custear", salienta - são incompatíveis com a essência do FGTS. "O recurso é do trabalhador, mas apenas quando se enquadrar numa das situações previstas. Até lá é de todos os trabalhadores."
Nessa mesma linha raciocina o advogado Mauro Antônio Rocha, do JURIR/São Paulo, especialista em Direito Imobiliário, autor do artigo "A quem interessa tungar o FGTS", publicado no encarte Juris Tantum, da ADVOCEF EM REVISTA de março de 2009. No texto, garante que os interessados em acabar com o Fundo não são, naturalmente, os trabalhadores. Segundo Mauro, os R$ 200 bilhões depositados no FGTS atraem olhares cobiçosos do mercado e motivam "um movimento cíclico, sistemaático e orquestrado", repercutido principalmente pelas entidades patronais da construção civil, com o "súbito interesse dos grandes bancos pelo mercado de crédito imobiliário".

Filigranas do legislador Aqui, outro especialista, o procurador do Banco Central Fabiano Jantalia, discorda. Ex-advogado da CAIXA, integrante da equipe responsável pela vitória da empresa nas ações dos expurgos inflacionários do Fundo, Fabiano lançou o livro "FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço" (Editora LTR, 300 páginas). "Para mim a situação é muito mais ampla e grave e não pode ser analisada com maniqueísmos; trata-se de necessidade do trabalhador mesmo, necessidade de adequar o texto normativo à nova realidade social."

Para Fabiano, não faz sentido permitir o saque para fins de moradia e colocar uma série de obstáculos. "O mundo mudou, a própria forma de estruturação de investimentos para construção de imóveis mudou e não é possível mais sustentar esse tipo de atraso legislativo. É como dar com uma mão e tirar com a outra."
Fabiano dá um exemplo. O valor do abatimento com recursos do FGTS deve ser de no máximo 80% do valor da prestação, mas o mutuário não poderá ter mais de três prestações em atraso. "Deixam de ajudar o trabalhador", lamenta. Fabiano enxerga aí um quadro "desarrazoado": o trabalhador pode ter recursos na conta do FGTS, estar em atraso com mais de três prestações (o que o expõe à retomada do imóvel), mas estará impedido de usar esses valores para quitação dos débitos "por filigranas e caprichos do legislador".
Mauro Rocha observa que há entidades de mutuários que defendem a liberação do FGTS para o pagamento de prestações de financiamento em atraso do trabalhador. "Se aprovada essa proposta, ele poderá poderá utilizar o dinheiro do Fundo e vai acabar sem a casa e sem dinheiro, beneficiando exclusivamente o credor", adverte.
Por outro lado, Mauro admite que a liberação do Fundo poderá possibilitar a reorganização financeira do trabalhador, como no endividamento por problemas judiciais ou de saúde. Outro exemplo é a demissão por justa causa, quando o trabalhador fica sujeito a prejuízos patrimoniais até a sua recolocação.

O dinheiro é do fundista - O procurador Fabiano Jantalia argumenta que o número de projetos levados ao Congresso mostra que a legislação do FGTS está muito longe de sua maturidade, é anacrônica e precisa de aperfeiçoamento. Acha que não faz sentido, por exemplo, permitir o saque para AIDS e não permitir para outras doenças graves como as neurológicas e degenerativas.
Ao enumerar as doenças, conforme Fabiano, o legislador faz com que qualquer inovação tenha que se dar "na lenta via do processo legislativo ordinário" e ainda deixou de fora muitas enfermidades graves. O melhor seria deixar a regulamentação da matéria para o Conselho Curador do FGTS.
Embora ache que tudo que se afastar das finalidades precípuas do FGTS deve ser repelido, Fabiano admite uma flexibilização, com determinados requisitos. "Os Fundos Mútuos de Privatização e o próprio Fundo de Investimento do FGTS foram uma ótima idéia, por permitir uma destinação produtiva e de interesse nacional aos recursos. Seria muito proveitoso criar novas iniciativas nesse sentido."
Também não vê problema em permitir o uso de 10% ou 20% dos recursos para outras aplicações no mercado financeiro. "Se o dinheiro é dele e o percentual não é tão grande a ponto de distorcer o uso da conta vinculada, a medida auxilia o fundista com melhores rendimentos para seus depósitos."


Conciliar os interesses "O papel social é sem dúvida muito importante. Mas os recursos do FGTS são públicos e pertencem a uma coletividade bem definida: os fundistas. Obras sociais se fazem recursos orçamentários do Estado e não com o aprisionamento de recursos privados, com a restrição indevida de acesso do trabalhador a seus próprios depósitos fundiários. É claro que é possível e desejável conciliar os interesses individuais e coletivos. Mas hoje o que se vê é um lado social, que era para ser apenas reflexo, virar o centro de todo o sistema do FGTS. O que é uma completa inversão de valores." (Fabiano Jantália)

Um ciclo vicioso - Em seu livro, Fabiano destacou o tema da atualização monetária das contas vinculadas, um dos pontos críticos, a seu ver. Afirma que o fundista recebe uma remuneração baixissima do governo, enquanto os agentes financeiros tomam recursos do FGTS a taxas reduzidas e os emprestam, mesmo dentro do SFH, a taxas raramente inferiores a 12% ao ano.
Fabiano diz que não se trata de transformar o FGTS num investimento especulativo, mesmo porque o Fundo tem, por imposição legal, uma destinação social. Mas considera evidente que, de todos os agentes envolvidos no sistema, o fundista, que empresta o dinheiro, é o que tem menores benefícios.
Surge então um ciclo vicioso, aponta. De um lado, os fundistas fazem de tudo para retirar seus recursos: compram imóveis sem precisar, inventam doenças, simulam demissões ou simplesmente sacam os valores após a carência de três anos fora do regime. De outro lado, o governo cria cada vez mais obstáculos para a movimentação, resultando "um texto legal distorcido e incoerente, em excessiva burocracia para os saques, em volume incômodo de ações judiciais ou, o que é pior, numa sofisticação dos meios utilizados para burlar a fiscalização".

Fundo de R$ 40 bilhões - No artigo publicado no Juris Tantum, Mauro conta que o jornal O Estado de São Paulo classificou o FGTS como o pior investimento do país, "sem mostrar o outro lado". Ou seja, que a remuneração do FGTS tem como contrapartida as taxas de juros cobradas dos mutuários do SFH e das aplicações em saneamento básico e infraestrutura urbana e, ainda, que os saldos das contas vinculadas estão protegidos na CAIXA e que, quando aplicados no mercado financeiro, o risco passar a ser do trabalhador.
Além das propostas de novas hipóteses de saque, Mauro chama a atenção para a atuação de setores do governo "sempre propensos a dispor dos recursos do Fundo para aplicação em atividades ou projetos que, a rigor, pouco ou nenhum benefício trazem aos trabalhadores". Pondera que, com o agravamento da crise, o risco de aproveitamento indevido dos fundos superavitários para o suprimento de capital é muito alto. "Por exemplo, será correto emprestar dinheiro do FGTS para as construtoras e incorporadoras? Isso atende aos interesses do trabalhador?
Mauro questiona a necessidade do aumento do limite de utilização de R$ 350 mil para R$ 500 mil, efetivado pelo Conselho Monetário Nacional em 27/3/2009. "Atende aos interesses do trabalhador ou da indústria da construção civil? Quantos trabalhadores tem saldo de R$ 500 mil no Fundo? Quantos trabalhadores compram casas de R$ 500 mil?
O advogado calcula que um trabalhador com salário mensal de R$ 10 mil levaria 50 anos para acumular R$ 500 mil no Fundo. "Fica evidente que essa é uma alteração para atender uns poucos trabalhadores que ocupam cargos de direção nas empresas e para facilitar a venda de unidades residenciais projetadas pelas construtoras em um período de megalomania."


Não ao risco "Estou convencionado de que a melhor forma de defender a existência e a manutenção do FGTS é o esclarecimento constante dos trabalhadores sobre a natureza indenizatória do Fundo e que esses rcursos devem ser mantidos em segurança para atender às necessidades decorrentes do desemprego imotivado, da aposentadoria e, também, da família no caso de seus morte. É evidente que qualquer possibilidade de melhorar o rendimento deve ser aproveitada, mas o trabalhador não deve aceitar a contrapartida do risco." (Mauro Antônio Rocha)

O destino dos recursos - Por sua vez, Fabiano Jantalia proclama que "é preciso parar de conduzir o FGTS de forma passional e demagógica". Ele considera uma questão de política e de prática aproveitar os recursos poupados em aplicações que beneficiam os próprios trabalhadores, gerando emprego e melhores condições de vida.
Ele diz que, com o tempo "e, principalmente, com o advento da ditadura", a ordem se inverteu e o lado social - "que é importante, mas não é senão a destinação subsidiária dos recursos do Fundo" - acabou praticamente aprisionando os depósitos, "Na prática, acabam virando um castigo para o trabalhador."
Mauro Rocha pergunta: se os depósitos do FGTS puderem ser utilizados a qualquer tempo, o que justificará a manutenção do Fundo e de sua estrutura administrativa? "Bastaria, então, como aliás defendem muitos, integrá-lo ao salário para que o trabalhador faça dele o que bem quiser."
Mas adverte: isso representaria o fim dos direitos indenizatórios e, por consequencia, de todos os direitos trabalhistas. Lembra que o FGTS foi criado durante um regime de exceção, aprovado pelo força militar e políticas de seus criadores. "Ou alguém acredita que hoje, em pleno regime de direito, as entidades patrimoniais tão ciosas do 'custo Brasil' aceitariam formar um fundo com o adiantamento de direitos trabalhistas da ordem de R$ 40 bilhões por ano?"