Mostrando postagens com marcador Artigo. Alienação Fiduciária. Questões atuais.. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Artigo. Alienação Fiduciária. Questões atuais.. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. QUESTÕES ATUAIS.


Mauro Antônio Rocha (1)


A alienação fiduciária de coisa imóvel ingressou no ordenamento jurídico pátrio por meio da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, passou a ser praticada pelas instituições financeiras em 2002 nos financiamentos imobiliários e foi adotada como o principal instrumento para a garantia de empréstimos e financiamentos em geral a partir da promulgação da Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004, que desatou alguns nós da lei de regência e estendeu sua utilização para as demais operações financeiras.

Nos quase vinte anos de existência da lei – ou quinze anos de efetiva aplicação – a alienação fiduciária de coisa imóvel navegou nas águas serenas da estabilidade econômica, situação de pleno emprego e reajustes reais de salários sem ter sido submetida ao necessário teste de estresse que pudesse revelar suas deficiências e defeitos. Nesse período, foram firmados milhões de contratos de crédito com garantia fiduciária, dos quais parcela proporcionalmente irrelevante foi levado à execução extrajudicial por inadimplência – para consolidação da propriedade em nome do credor – e um número reduzido de conflitos foram judiciarizados.

Mudanças no humor político e econômico no país, no entanto, sugerem o recrudescimento da inadimplência contratual, com o agravamento do quadro de cobrança forçada das dívidas e, consequentemente, da reação judicial dos devedores e fiduciantes.

Ocorre que por conta da quietação e calmaria dos tempos bons os estudos sobre o instituto ficaram limitados à simplicidade dos procedimentos legais de concessão do crédito, quitação da dívida, consolidação da propriedade e execução extrajudicial do débito, de forma que os operadores do direito envolvidos parecem despreparados para compreender os atalhos e desvios que começam a surgir, assim como, os registradores de imóveis parecem dispostos a acumular exigências imprecisas e desnecessárias, que às vezes são atendidas pelos implicados com adaptações contratuais estapafúrdias e outras vezes contestadas com argumentos despropositados e descolados da lógica jurídica do instituto para, finalmente, serem levadas ao Judiciário na forma de ações, dúvidas ou pedidos de providências mal formulados, onde são examinadas burocraticamente e provocam decisões que não atendem aos interesses das partes e ao desejo de preservação jurídica desse indispensável instrumento de garantia dos créditos.


Exemplo disso é a reiterada negativa de cancelamento da averbação de consolidação de propriedade, a requerimento formal das partes, após a quitação da dívida pelo devedor decorrido o prazo legal para a purgação de mora, porque, no entender de alguns oficiais de registro, o art. 27 da Lei nº 9.514/97 é norma cogente que determina a realização de leilão público para a venda de imóvel objeto de consolidação da propriedade por conta do inadimplemento contratual e, portanto, essa obrigação não pode ser afastada para atender aos interesses das partes.

Ora, a lei admite o cancelamento do registro da compra e venda, da alienação fiduciária em garantia, da arrematação ou adjudicação em hasta pública (art. 250 da Lei nº 6.015/1973) e não há justificativa jurídica razoável para se negar o cancelamento da consolidação apenas e tão somente pela suposta cogência normativa ou pela natureza meramente declaratória da averbação. A simplicidade dos argumentos denegatórios contrasta com a relevância material e ideológica do bem jurídico tratado.

Mais atrapalha do que ajuda a existência de confusos precedentes do Superior Tribunal de Justiça que admitem o recebimento do crédito e a liquidação da dívida, sem determinar o cancelamento da consolidação da propriedade, deixando subentendida a necessidade de realização de um novo negócio jurídico que, a rigor, independeria de qualquer autorização judicial.

Nada impede, a nosso ver, o cancelamento da averbação de consolidação, retornando a titularidade do imóvel a situação anterior, restabelecendo-se, se for o caso, a alienação fiduciária e possibilitando ao devedor a manutenção do bem da vida e ao credor que proceda à quitação da dívida ou que retome o curso do contrato, como medida de justiça, que atende ao direito constitucional à moradia e aos princípios de celeridade e economia processual.