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terça-feira, 14 de março de 2017

ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. APONTAMENTOS CRÍTICOS SOBRE A PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DA LEI Nº 9.514/1997 TENTADA PELAS ENTIDADES REPRESENTATIVAS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.



ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA DE BEM IMÓVEL. APONTAMENTOS CRÍTICOS SOBRE A PROPOSTA DE ALTERAÇÃO DA LEI Nº 9.514/1997 TENTADA PELAS ENTIDADES REPRESENTATIVAS DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS.

Mauro Antônio Rocha (1)

(Publicado originalmente em CN Registradores)

1. Com a intenção de estimular o mercado de crédito imobiliário, considerado fundamental para a retomada econômica do país e, ao mesmo tempo, aplacar o temor de desfiguração do instituto da alienação fiduciária de bem imóvel pelo Poder Judiciário, o Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão solicitou de entidades representativas das instituições de crédito e financiamento imobiliário subsídios e propostas com alterações julgadas necessárias e imprescindíveis ao aperfeiçoamento da Lei nº 9.514, de 20 de novembro de 1997, especialmente quanto aos procedimentos legais considerados prejudiciais à eficácia dessa garantia real e, consequentemente, aos interesses do mercado financeiro.

Em resposta, aquelas entidades encaminharam ao Governo Federal, no início de 2017, projeto legislativo – que se encontra em fase de análise para ser adotado em caráter de urgência por meio de medida provisória – modificando a redação original ou vigente de quatro dos doze artigos do capítulo específico da alienação fiduciária e outros dois artigos das disposições gerais e finais da referida lei.

A leitura atenta do referido projeto evidencia que a proposta ficou limitada a questões pontuais, episódicas e restritas aos contratos bancários em geral, consolidando pautas requentadas e conhecidas, sem abraçar as reivindicações de setores não financeiros e sem abarcar a necessidade de conformação das características legais do negócio fiduciário às condições específicas e próprias das novas modalidades negociais atraídas pela simplicidade dos trâmites e rapidez prometida.

Disso decorre o primeiro e principal defeito do projeto legislativo apresentado. Concebida originalmente para aplicação exclusiva no âmbito do mercado de crédito imobiliário, com mecanismos apropriados para as operações de compra e venda de imóvel agregadas ao mútuo com garantia real, o campo de contratação da alienação fiduciária de coisa imóvel, assumida como garantia ideal para as operações comerciais e de capitais, foi ampliado e generalizado por alterações legais introduzidas pelo Código Civil vigente a partir de 2002 e pela Lei nº 10.931, de 02 de agosto de 2004. No entanto, sem as correspondentes adaptações, nas transações mais complexas as partes são obrigadas a forjar condições e procedimentos extravagantes e inexistentes no texto legal, fragilizando a segurança jurídica e compelindo o registrador imobiliário a desqualificar o título – em observância restrita ao princípio da legalidade – e denegar seu registro.

Perde-se, dessa forma, rara oportunidade para envolver todos os setores interessados em aprofundar os debates, de forma a sistematizar e consolidar a disciplina jurídica do instituto, hoje dispersa em normas diversas, viabilizando os arranjos negociais em geral.

2. Não bastasse isso, a análise dos ajustes denota a fragilidade e inconveniência de parte das proposições, além de revelar sua inutilidade com relação ao objetivo de evitar que controvérsias resultantes da alienação fiduciária sejam submetidas à apreciação do Poder Judiciário. Ao contrário, algumas delas potencializam o contencioso, expondo o instituto da alienação fiduciária de bem imóvel em garantia ao crivo e às interpretações judiciais.

Sem tencionar discutir o mérito da modificação aventada é pasmante, por exemplo, que o parágrafo único inserido no artigo 30 da lei sugira excluir da apreciação judicial ações que tenham por objeto controvérsias sobre as estipulações contratuais ou requisitos procedimentais de cobrança e leilão, de forma a não obstar a reintegração de posse pelo credor fiduciário, relegando os interesses do devedor fiduciário à eventual pretensão indenizatória.

Não se deve esquecer que o pretexto primário que justifica a execução extrajudicial coincide com o respeito aos princípios constitucionais, resguardando o acesso do devedor à justiça, ao devido processo legal, ao contraditório e ampla defesa, entre outros direitos, mantido o monopólio da jurisdição pelo Estado, seja pelo efeito rescindente da sentença na ação de imissão de posse, seja por ação direta contra o credor ou agente fiduciário(2). Assim, é crível que essa modificação enfrentará contestação acerca de sua própria constitucionalidade – face ao inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal – e ensejará máxima judiciarização da matéria.

De outra parte, a segregação das operações de financiamento habitacional de outras transações realizadas com garantia fiduciária, presente nos arts. 26A e 27, parágrafo 6ºA do projeto legislativo, com o intuito de diferenciar procedimentos em relação à quitação da dívida após a consolidação da propriedade esbarra, também, em equívocos técnicos que limitam a aplicação das normas.